Esconderijo da nuvem
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- Calcular frete"Sobre como vencer a morte Fernanda Mellvee Entre as águas da infância e o mar de Caronte navega o poeta, soberano de si e dos segredos do tempo. Temos em Esconderijo da Nuvem, um eu-lírico que retorna ileso de cada confronto com o mistério da morte. Se os anos pesam, a natureza redime. A Urca, este santuário do poeta, é recompensa pelas agruras do fazer literário e da vida. Michel Foucault dizia que ainda na Idade Média estabeleceu-se uma divisão entre os lugares. Surgem então lugares sagrados, como a igreja e o cemitério. A dessacralização dos lugares ocorreu ao longo da história, porém a sacralização faz parte do ser humano. A Urca é o lugar sagrado do eu-lírico, um lugar que integra passado, presente e futuro, futuro este que às vezes surge pintado em tons sombrios, mas que se dilui nas cores exuberantes da paisagem. É somente na Urca que o eu-lírico passa por um processo de transcendência, onde ele assiste à passagem do tempo, intercalando receio e certezas. Se por um lado, o tempo ido é perdido, o poeta se sabe vencedor: é o legado da escrita na vida, como diz no primeiro verso do poema ?Coisas Poucas?: ?O que perdi, ganhei?. A paisagem da Urca se engatilha de sentimentos. No poema ?Acórdão do Rochedo?, quando o eu-lírico nos diz que ?de encantado o mar jamais se acorda/ quando a saudade é mar dentro da onda?, ele revela o que não cabe mais dentro do peito. No poema ?Escrevo sobre a água?, o eu-lirico que escreve ?sobre a água o chão do mundo?, nos fala da fugacidade do instante e da vulnerabilidade dos sentimentos. A brevidade das coisas é um tema recorrente entre os poemas que compõem a obra. Carlos Nejar, com seus versos carregados de humanidade, nos mostra o quanto o instante é frágil. Em poemas como ?Leme? e ?Sobre as ondas? temos anunciada a chegada do fim, que pode ser o final de um ciclo ou o fim da vida. A morte, um outro elemento constante em Esconderijo da nuvem, surge como o destino inexorável de todos nós, em poemas como ?Enredo? quando o eu-lírico reflete sobre ?Quem pode ousar com tal ousar da morte/ Ninguém escolhe a sorte que recolhe/ o fim que está chegando com seu golpe?. Em poemas como ?Penúria?, quando o eu-lírico revela que ?A morte não me encontra, mesmo quando/ quiser me fitar, em sombra, doído/ Porque de morte a cura tem-me sido/ cada vez na palavra de ir sonhando? e ?Nem para esquecer?, quando ele afirma que ?Pode me levar a morte tudo/ Pode me levar a morte nada? , a morte é um templo em ruínas, assim como o tempo. Podemos concluir que a morte pode ser vencida pela escrita. A poesia, como a de Carlos Nejar, é imune ao tempo. Imortal."
Carlos Nejar, no ano de 2020, completou sessenta anos de literatura, com a publicação de O Evangelho segundo o vento (ficção); Sélesis; Livro de Silbion (poesia) e A tribo dos Sete Relâmpagos (romance). O escritor gaúcho, traduzido em várias línguas, tem sido estudado em universidades do Brasil e do exterior. Foi indicado, no ano de 2019, ao Prêmio Nobel de Literatura, com apoio da Academia Brasileira de Filosofia, Academia de Letras de Brasília, Pen Clube e inúmeras instituições culturais do Brasil e do Exterior.